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sábado, 7 de julho de 2012

Temas Fracturantes III: O Sindicalismo burguês

Entre o fim da década de 60 e o início da década de 70 dificilmente um funcionário de repartição (finanças, notário, registo civil, etc.), ou mesmo do ensino, ganhava mais que um "artista" (marceneiro, estucador, pedreiro, serralheiro, etc.). O Tesoureiro da Fazenda, por exemplo, auferia aproximadamente 1.200$00 escudos por mês e qualquer pedreiro poderia fazer 1.500$00 ou 1.800$00 escudos. Havia uma ética no modelo de empregamento de funcionários do salazarismo: o funcionário público, o Servidor do Estado, trabalhava menos horas, tinha um horário mais fidalgo (começava às 9 e não às 8 ou 7:30H), sem tanto esforço físico (o tal trabalho limpinho), com muito menos riscos laborais...

Havia uma ética e uma lógica de compensação tácita: deixa lá o serralheiro e o espingardeiro ganhar um pouco mais que tu. Tu ganhas menos esse bocado mas, em contrapartida, além das benesses que o tipo aqui do blogue já referiu no parágrafo anterior,  vou dar-te mais algumas regalias especiais: vou garantir-te emprego vitalício, não sofres essa ameaça de despedimento ou falta de trabalho, trabalhas abrigado e não à chuva, ao vento, ao frio ou ao sol do estio...vou criar um subsistema de previdência só para ti, vou criar um sistema de acumulação que te vai dar uma reforma melhorada, compreendo que se ganhaste menos não fizeste tanto aforro como o pedreiro cabouqueiro ou o serralheiro, mas vais ser compensado depois, não te preocupes, vais receber da Caixa Geral de Aposentações e um bom bocado acima do que receberão eles pela Caixa de Previdência, percebes, quem sabe se te não virei a pagar o mesmo ordenado mesmo quando te reformares. Portanto, tento, tino e sensatez: se já te dou tudo isto, não me peças que ainda te dê um salário nominal superior ao deles ou ainda me arranjas uma revolução...

- Mas fizemos mesmo uma revolução em 74, contra monopólios, desigualdades e certas concentrações de "direitos". Como explicar então que menos de 40 anos depois estejamos nesta estranha e distorcida realidade, em que afinal tu, oh FP, acabaste por concentrar tudo para ti: Emprego e emprego fidalgo, estável, duradouro, definitivo; salário duas, três, quatro, cinco e mais vezes acima da média do deles; manténs o regime de assistência na doença privilegiado, uma reforma antecipada e por inteiro[1]...

Eu sei que soubeste mexer-te muito bem nessa relação promiscua e mercantil do "centralão" e que graças a ti se sedimentou esta alternância oligárquica, o rotativismo reeditado,  lixaste-os bem, puseste-os a pagar-te a eleição deles e os mais parolos, arrivistas e presunçosos como o Cavaco (o "pai do monstro", como te lembras) pagaram-te vitaliciamente a sua reeleição. Mas isso não chega para explicar como chegaste aqui. Nem mesmo os Cavacos fazem tanto sozinhos. Entretanto, reparei que se antes chamavam ao marceneiro, ao carpinteiro, à costureira ou à empregada comercial "trabalhadores" e a ti chamavam-te funcionário público, agora chamam àqueles "precários", "desempregados", "inimpregáveis" ou beneficiários de rendimento mínimo e ti... "trabalhador". Pertences a essa minoria que não só tem emprego como vitalício, já quase és  o único que se mantém sindicalizado porque ganhas o suficiente para "pagar" ao sindicato e és também dos poucos que fazem greves,  porque apesar de tudo não sofres represálias. Como conseguiste este monopólio. Explica-me, quem te ajudou?...

[1] - É verdade, és da geração de pais que ante-herdam dos filhos. A tanto chegou a (tua) civilização, pela primeira vez na história da humanidade é a geração de pais que é pária dos seus filhos, isto é, és a geração de pais que é pária dos próprios filhos. Para suportar a despesa pública que tu não admites reduzir pela (pouca, não é verdade?![2]) parte que te toca, pede-se dinheiro emprestado e este será irremediavelmente pago pela (tua) geração seguinte. Vê lá tu, na gleba era o senhor feudal a explorar as crianças, na revolução industrial era necessário o esforço delas para que a miséria fosse menor, no Sec. XXI é a tua geração de pais que a cada dia 23 tem depositado no banco o seu irredutível vencimento que está a submeter à exploração próxima-futura os seus filhos e os filhos dos seus iguais. Estes governos com quem tu tens mercadejado as maiorias nestas últimas décadas, para continuarem a ter dinheiro para, depois de satisfazer os seus próprios e perdulários gastos, te poderem retribuir  nos valores e patamares dos teus direitos adquiridos, ou não te empregam os filhos ou, se o fazem (e apenas precariamente), propõe-se pagar-lhes, sejam enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, etc.,  4 euros por cada hora efectiva e trabalho. Deixa-me explicar-te melhor, a ti que és, por exemplo, professor de EVT, que tens 55 anos, que estás muito cansado, coitado, e até já beneficias da redução de duas unidades lectivas, já só das das 18 horas de aulas por semana ou menos mas não abdicas dos teus 14 vencimentos: sabes quanto ganharias se te pagassem ao preço que, graças a ti, é o que impõem agora aos teus (e aos meus) filhos?...
- É fácil, conta comigo, 4 euros vezes 18 horas, igual a uma semanada de?...

[2] Eu sei, estás danado e a pensar que não é contigo nem com os teus 2/14 avos que eu me devo preocupar, devo olhar para as reformas milionárias, para os gastos supérfluos, para o desperdício...

Mas, se bem te lembras, os deputados da AR disseram o mesmo. E por isso, até se aumentaram quando por toda a parte se perde rendimentos. O mesmo pensaram e fizeram os governantes e por isso ganham mais 5% que os anteriores. Os das reformas milionárias dizem-me o mesmo que tu, que não é por mexer no deles que se vai fazer a diferença, são tão poucos...
Sabemos bem o pouco que importa a nossa coerência ou a nossa consequência e o que se achamos que se deve exigir do outro. O Outro é que é o problema e a solução é mexer no ou com o outro.
Mas é esta a principal diferença entre ti e os os povos do norte desta mesma Europa, aqueles que mantêm sobre ti os tais 100 anos de avanço: Eles, que são protestantes, são também kantianos naturais, "agindo de forma tal que a máxima da sua acção seja lei universal". Sabes como é que agimos aqui mais a sul e mais a sol, católicos devotos, tu, eu, os demais dos 2/14 avos preservados, incluindo os das reformas milionárias?...
        - agimos de forma tal que a máxima da nossa acção seja sempre... lei de excepção!

Ardina


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