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quarta-feira, 4 de julho de 2012

Os media da nossa desconfiança..

PROCIDADE

Os media da nossa descrença ...neste país de desencantos:

Seria absolutamente surpreendente a passividade (ou indiferença) com que jornais e televisões se têm colocado quer face ao currículo do Primeiro-Ministro, quer agora face a esta revelação gritante da licenciatura de Miguel Relvas, quando confrontada com o frenesim noticioso, judicioso e linchatório com que trataram o anterior Primeiro-Ministro a propósito de assunto e matéria idêntica. Seria ou poderia ser surpreendente. Mas não é. Porque há muito que é indesmentível a agenda política dos media, independentemente de quem lha marca ou impõe, sendo certo que em alguns casos são até as prima-donas do jornalismo que partem para verdadeiras cruzadas justiceiras com fins e motivações pessoais ou narcísicas, como foram os casos de Manuela Moura Guedes, do seu assessor e marido e de Mário Crespo pupilo do Seu General. Não surpreende. Mas choca, porque revela falta de pudor, falta de sentido de Cidadania e falta de noção e sentido Democráticos.
Comparados os processos de Sócrates e Relvas, o exame de Inglês Técnico num domingo do primeiro redunda numa mera questão administrativa; é impensável imputar-lhe fraude curricular ou de certificação à vista agora  deste exemplo, por mais que o suportem as leis. No caso de Sócrates ninguém quis saber se havia créditos para um RVCC, apenas se discutia se era ou não licenciado. Que dizer agora face a um processo em que alguém que não só tem menos curricula como este é menos susceptível de verificação pública, obteve equivalência por RVCC de 70% ou mas das 36 cadeiras do curso?...
Não sem primeiro deixar vincada a obrigação de se fazer uma cerimónia de reparação nacional a José Sócrates,
importa reiterar que o principal - ou o único - problema é outro e que seria nesse sentido que se deveria reflectir: a doutorite ou a fidalguia e nobiliarquia republicanas. Este fenómeno, outrora mais provinciano, é hoje a marca transversal dos aglomerados urbanos e mais particularmente da capital política e financeira, a Dra Lisboa. Não há deputado, político, secretário, ou assessor, por mais mancebo, incipiente, imberbe ou inepto, que não seja doutor, porque ser doutor basta seja para o que for. Noutros tempos, os doutores das clássicas (cursos de 6 ou 5 anos) chamavam doutores e engenheiros de via estreita[1] aos bacharelados ou aos licenciados pelos institutos (cursos de 4 anos). Mas estes não se reclamavam doutores. Em vez de se evoluir civilizacionalmente, regrediu-se e hoje é doutor qualquer bicho-carpinteiro que tenha uma licenciatura que mais não faz ou para mais não serve senão para lhe lhe atribuir o CAP[2] com vista no exercício de uma profissão nesta - hoje - vasta área dos chamados trabalhadores do conhecimento [3]. Seguindo o povo[4] e suas sentenças, se noutros tempos um burro carregado de livros era doutor, hoje são doutores muitos burros de albarda vaziaÉ doutor quem fez cursos com planos de estudos de seis e de cinco anos, mas também de quatro e agora até de três. E são até estes de quatro e de três (os tais doutores de via estreita) os que mais frequentemente se arvoram e se doutoram em e-mails, ofícios e outro expediente, colocando no local que ficará abaixo da assinatura e em caracteres tipográficos, Dr. Fulano de Tal, ou Cicrana de Tal, Dra.
No nosso regime e mau grado o primado da Cidadania, de nada ou para nada serve alguém com (citando Cindinha Campos), notórios saber e competência e reputação ilibada, pelo contrário. Com excepção de Leonor Beleza e depois de Santana Lopes que no seu tempo de membros de governos chamaram para o desempenho de funções de governação alguém que não era nem do seu partido nem licenciado/a (pela via intra-partidária sempre houve muitos no PS e PSD, como é o caso do próprio Relvas),  justamente por lhe reconhecerem as competências  (falamos da malograda Mª José Nogueira Pinto, não obstante a própria ter também cedido à pressão da doutorite, tendo-se entretanto licenciado e passado a ser a Dra Mª José Nogueira Pinto), não se registam casos em que os referidos notório saber, notória e reconhecida competência e reputação ilibada tenham sido suficientes para nomear um cidadão independente, antes se lhe diz tire uma licenciatura, de contrário passarão adiante de si os doutores licenciados. Mesmo que sejam ineptos, ignorantes, inexperientes  ou desconhecidos. Até já para se fazer carreira política (que começa nas listas da Distrital de cada partido) é preciso ser doutor, ainda que recém-saído da Universidade ou do Instituto, o mesmo se passando no desempenho de cargos na Administração.
Este é o governo que mandou fazer uns pins com a bandeira portuguesa para serem patrioticamente exibidos na lapela de todos os membros e talvez até do do próprio aparelho.
- Dr Passos, Dr Relvas, Dr Mota Soares,
      melhor fora que fizessem um pin para colocar o nome de cada um de vocês, mas sem prefixos. Nada mais tendo este governo que aproveite à Democracia e à Cidadania, podia aproveitar-se pelo menos este legado pedagógico.
[1] - Por analogia das linhas de combóios, a larga, interurbana, e a estreita, urbana ou regional, como era o caso das linhas da Póvoa, do Tua ou do Vouga, por exemplo;
[2] - Certificado de Aptidão Profissional;
[3] -  Trabalhadores do conhecimento - aqueles que fazem do pensamento modo de vida;
[4] - Ocorre-nos que este será o pecadilho da nossa Constituição. Na percepção de grande parte dos portugueses a palavra Povo mantém um estigma de pobreza e insignificância que os impede de se identificarem como Povo o que piora ainda quando a classe média e os doutores afectam a sua desmarcação do povo enquanto classe. Seria curioso experimentar perguntar a Gomes Canotilho, por exemplo, se ele é povo, não sendo difícil adivinhar a resposta...
Talvez tudo tivesse sido profundamente diferente se os Constituintes de 1976 tivessem substituído a palavra Povo e os seus derivados por Cidadão e Cidadania.  Os franceses fizeram-no após a revolução de 1789 (Citoyenneté - En démocratie, chaque citoyen est détenteur d'une partie de la souveraineté ... Les devoirs sont accomplis par les citoyens pour le bien de la collectivité...) e parecem ter sido melhor sucedidos. Mas ainda vamos a tempo.
Procidade




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