Um dado domingo - cuja data não recordo - coube a uma figura nacional - que, entre outras, recordo - fazer o dito 'elenco e que depois de enunciar "as 10 melhores coisas", colocou a seguinte logo à cabeça da lista das "10 piores coisas após o 25 de Abril": "as jovens competências".
Não poderia ser, para mim - que era ao tempo, um velho trintão, mais objetiva e oportuna a sugestão do tópico para encabeçar a lista:
- Começava-se a tropeçar nesta altura pelos corredores das organizações, numa juventude tão petulante quanto ignorante, individualista, competitiva e predatóra, com uma cultura de pacotilha misturada com o escasso saber técnico advindo das sebentas universitárias e - e pior - sem uma noção - meramente conceptual que fosse! - do que são as organizações e dos fenómenos sociológicos internos e externos das organizações e sem vocação nem formação relacional: não precisam de ouvir, já sabem tudo, não precisan de perceber, tirou 13 a matemática, não precisam de observar, teve um 14 a desenho, não precisam de estar atentos/as ao patrono, foi dos/as melhores nas frequências de Teoria Geral do Direito Civil. Consequentemente, caracteriza-os uma cultura de trabalho rapace e um desempenho profissional pautado por critérios de estrita eficácia imediata e individual. Socialmente, a sua noção de pares e convívio social são a paridade geracional e a iconoclastia cervejeira. Marcados por uma atitude corporal e grupal afetada de jovialidade, independência e (falsa) emancipação, são pacotes de alienação em embalagens de modernidade.
Maioritariamente proveniente de uma camada socioeconómica emergente (os famigerados dinheiros do QCA III) formada - em casa - para um sucesso centrado no próprio indivíduo (id) e que recebe nos anos 80 - 90 o crisma liberal do Cavaquismo, esta cultura começa a fazer-se notar com a geração rasca dos anos 90, tem vindo em crescendo - e é de temer que assim continue a desenvolver-se até ao dia de [mais um] reset final - esta cultura partilha, entre outros, estes fenómenos curiosos:
A - é a cultura que massivamente trata por tu pais, tios e avós;
B - é a cultura de cuja educação, massivamente, os pais se demitem - por imperativos profissionais,
C - e que aos 3 anos de idade - quando não menos - é confiada a "centros de formação massificada e estandardizada de crianças" (berçários, infantários e outros aviários)"
D - e a cujos/as monitores/as - educadores/as de infância - também tuteiam, i.e., tratam igualmente por tu;
C - e é também - além de outras afinidades - a cultura que deixou de ter no livros de leitura da primária - ou do primeiro ciclo - o poema "Reminiscências" de Fernanda de Castro e que não chegou a aprender como se passa do tudo ao nada, para se ser alguma coisa:
Reminiscência, de Fernanda de Castro (1941)
Reminiscência, de Fernanda de Castro (1941)
"...Lisboa, Santarém, Porto, Leiria..."
(eu sabia de cor toda a geografia)
O Senhor Inspector
deu-me a nota mais alta em geografia
e disse gravemente:
- "Continua. Hás-de ser gente..." -
"Ângulo recto, agudo,
cateto, hipotenusa..."
(Já manchara de giz a minha blusa
mas respondia a tudo
e a Professora sorria
enquanto eu papagueava a Geometria)
- "...D.Sancho, o Povoador...
D.Dinis, o Lavrador...
(Tinha então boa memória,
sabia as datas da história...)
1380
1640
1143
em Arcos de Valdevez...
(Muito bem, a pequena é simpática).
- "Vamos lá à gramática." -
"...E, nem, não só, mas também...
conjunções copulativas"
(Eu pensava na alegria
que ia dar a minha mãe,
nas frases admirativas
da velha D.Maria,
a minha primeira mestra:
- Tão novinha e ficou "bem"!" -
e esta suavíssima orquestra
acompanhava, em surdina,
o meu primeiro exame de menina
aplicada, orgulhosa e inteligente...)
- "Vá ao quadro, menina! Docilmente
fiz os problemas, dividi fracções,
disse as regras das quatro operações
e finalmente
O Senhor Inspector felicitou-me,
quis saber o meu nome
e declarou-me
que ficara "distinta" sem favor.
Ah! que esplendor!
Que alegria total e sem mistura,
que orgulho, que vaidade!
Olhei de frente o sol e a claridade
não me cegou.
As estrelas, fitei-as como iguais.
Melhor: como rivais,
e a Humanidade
pareceu-me um rebanho sem vontade,
uma vasta colónia de formigas...
(As minhas pobres, tímidas amigas!)
Pouco depois, em casa,
a testa em fogo, o olhar em brasa,
gritei num desafio
à Terra, ao Céu, ao Mar, ao Rio:
- "O mãe, eu já sei tudo!"
No seu olhar tranquilo, de veludo,
no seu olhar profundo,
que era todo o meu mundo,
passou uma ironia tão velada,
uma ironia
tão funda, tão calada,
que ainda hoje murmuro, cada dia:
"- Ó mãe, eu não sei nada!"
(eu sabia de cor toda a geografia)
O Senhor Inspector
deu-me a nota mais alta em geografia
e disse gravemente:
- "Continua. Hás-de ser gente..." -
"Ângulo recto, agudo,
cateto, hipotenusa..."
(Já manchara de giz a minha blusa
mas respondia a tudo
e a Professora sorria
enquanto eu papagueava a Geometria)
- "...D.Sancho, o Povoador...
D.Dinis, o Lavrador...
(Tinha então boa memória,
sabia as datas da história...)
1380
1640
1143
em Arcos de Valdevez...
(Muito bem, a pequena é simpática).
- "Vamos lá à gramática." -
"...E, nem, não só, mas também...
conjunções copulativas"
(Eu pensava na alegria
que ia dar a minha mãe,
nas frases admirativas
da velha D.Maria,
a minha primeira mestra:
- Tão novinha e ficou "bem"!" -
e esta suavíssima orquestra
acompanhava, em surdina,
o meu primeiro exame de menina
aplicada, orgulhosa e inteligente...)
- "Vá ao quadro, menina! Docilmente
fiz os problemas, dividi fracções,
disse as regras das quatro operações
e finalmente
O Senhor Inspector felicitou-me,
quis saber o meu nome
e declarou-me
que ficara "distinta" sem favor.
Ah! que esplendor!
Que alegria total e sem mistura,
que orgulho, que vaidade!
Olhei de frente o sol e a claridade
não me cegou.
As estrelas, fitei-as como iguais.
Melhor: como rivais,
e a Humanidade
pareceu-me um rebanho sem vontade,
uma vasta colónia de formigas...
(As minhas pobres, tímidas amigas!)
Pouco depois, em casa,
a testa em fogo, o olhar em brasa,
gritei num desafio
à Terra, ao Céu, ao Mar, ao Rio:
- "O mãe, eu já sei tudo!"
No seu olhar tranquilo, de veludo,
no seu olhar profundo,
que era todo o meu mundo,
passou uma ironia tão velada,
uma ironia
tão funda, tão calada,
que ainda hoje murmuro, cada dia:
"- Ó mãe, eu não sei nada!"
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https://www.publico.pt/2002/11/27/portugal/noticia/semanario-o-jornal-desapareceu-ha-dez-anos-198595
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"Projecto que ficou conhecido como o jornal dos jornalistas
Semanário “O Jornal” desapareceu há dez anos
“Ponto Final” foi a expressão usada na primeira página para assinalar a despedida de “O Jornal”, o semanário que tinha a particularidade de ser gerido por jornalistas. Saiu para as bancas pela última vez faz hoje dez anos, depois de completar 17 anos de vida.
Era assumidamente um projecto de esquerda, independente e, sobretudo, não comunista. Chegou a ultrapassar o “Expresso” em vendas, mas o desgaste do modelo de gestão acabou por lhe ser fatal e das suas cinzas nasceu a “Visão”. Criado em 1975, “O Jornal” lançou o seu primeiro número a 2 de Maio desse ano, numa altura em que “os acontecimentos eram um tal turbilhão que havia necessidade de explicar a realidade às pessoas”, lembra Cáceres Monteiro, um dos jornalistas fundadores do semanário, ao lado de Manuel Beça Múrias, Francisco Sarsfield Cabral, José Silva Pinto, José Carlos Vasconcelos, Fernando Assis Pacheco, além de Joaquim Letria, o primeiro director.
Em termos editoriais, Cáceres Monteiro descreve “O Jornal” como “um projecto independente, alinhado à esquerda e um contraponto à tendência dominante do Movimento das Forças Armadas”. Ao longo de 17 anos passaram pelas páginas de “O Jornal” nomes como Miguel Esteves Cardoso e Inês Pedrosa, mas também Adelino Amaro da Costa, Eduardo Lourenço, Hélia Correia e Filomena Mónica. “O Jornal” atinge o seu ponto alto ao ultrapassar o seu concorrente “Expresso”, conseguindo vendas entre os 70 e os 80 mil exemplares.
Apoiados no impulso de “O Jornal” nasceram outros projectos no seio da Projornal, a empresa editora do título, nomeadamente, o “Sete”, o “Jornal de Letras Artes e Ideias” e a revista “História”, o “Jornal da Educação” e o “Correio Económico”. A Projornal foi ainda fundadora, com a cooperativa TSF, da empresa Rádio Jornal, e esteve ligada à SIC.
A particularidade do projecto residia no modelo de gestão: a Projornal pertencia a todos os profissionais de comunicação social que lá trabalhavam, designados por societários. Mas, a partir de meados dos anos 80, esta fórmula esgotou-se, “o que levou a que o jornal perdesse a sua acutilância”, na leitura de Cáceres Monteiro. Era necessário um parceiro que injectasse capital, mas que trouxesse também “know-how”. Os suíços da Edipresse entram na Projornal no início da década e percebem que a fórmula do semanário estava esgotada. Decidem então fechar “O Jornal” e lançar uma “newsmagazine”. Assim nasceu a “Visão”."
Em termos editoriais, Cáceres Monteiro descreve “O Jornal” como “um projecto independente, alinhado à esquerda e um contraponto à tendência dominante do Movimento das Forças Armadas”. Ao longo de 17 anos passaram pelas páginas de “O Jornal” nomes como Miguel Esteves Cardoso e Inês Pedrosa, mas também Adelino Amaro da Costa, Eduardo Lourenço, Hélia Correia e Filomena Mónica. “O Jornal” atinge o seu ponto alto ao ultrapassar o seu concorrente “Expresso”, conseguindo vendas entre os 70 e os 80 mil exemplares.
Apoiados no impulso de “O Jornal” nasceram outros projectos no seio da Projornal, a empresa editora do título, nomeadamente, o “Sete”, o “Jornal de Letras Artes e Ideias” e a revista “História”, o “Jornal da Educação” e o “Correio Económico”. A Projornal foi ainda fundadora, com a cooperativa TSF, da empresa Rádio Jornal, e esteve ligada à SIC.
A particularidade do projecto residia no modelo de gestão: a Projornal pertencia a todos os profissionais de comunicação social que lá trabalhavam, designados por societários. Mas, a partir de meados dos anos 80, esta fórmula esgotou-se, “o que levou a que o jornal perdesse a sua acutilância”, na leitura de Cáceres Monteiro. Era necessário um parceiro que injectasse capital, mas que trouxesse também “know-how”. Os suíços da Edipresse entram na Projornal no início da década e percebem que a fórmula do semanário estava esgotada. Decidem então fechar “O Jornal” e lançar uma “newsmagazine”. Assim nasceu a “Visão”."
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