PROCIDADE
"A Servidão Voluntária" -Etienne de la Boetie (1 de novembro de 1530, Sarlat-laCanéda, França - 18 de agosto de 1563, Bordéus, França; 32 anos):
"...Mas, ó Deus, o que pode ser isso? Como diremos que isso se chama? Que infortúnio é esse? Que vício, ou antes, que vício infeliz ver um número infinito de pessoas não obedecer mas servir, não serem governadas mas tiranizadas, não tendo nem bens, nem parentes, mulheres nem crianças, nem sua própria vida que lhes pertença; aturando os roubos, os deboches, as crueldades, não de um exército, de um campo bárbaro contra o qual seria preciso despender seu sangue e sua vida futura, mas de um só; não de um Hércules nem de um Sansão, mas de um só homenzinho, no mais das vezes o mais covarde e feminino da nação, não acostumado à pólvora das batalhas mas com muito custo à areia dos torneios, incapaz de comandar os homens pela força mas acanhado para servir vilmente à menor mulherzinha..."
Não foi um/a deputado/a progressista dos nossos dias que disse isto, quem disse isto foi um jovem com 18 a 19 anos de idade do séc. XVI. Nascido em 1530 - há praticamente 500 anos - escreveu este "discurso" em 1549. Com 18 ou 19 anos!...

De la Boétie refere-se a quem se submete voluntária e acriticamente a um "homem só" (ou a um homenzinho, como o próprio diz), denunciando a "servidão voluntária" em meados do séc. XVI, num período histórico fortemente repressivo, o tempo dos velhos regimes do absolutismo régio - monarquias absolutistas - que ainda duraria até ao fim do séc. XVIII (1789), e com a persecutória Inquisição por perto. Então, o que diria De La Boétie dos "servos voluntários" de hoje, no séc. XXI, a pós-modernidade, e que após extraordinárias e históricas conquistas de direitos, da Liberdade e Autodeterminação, continuam a submeter-se a quaisquer homenzinhos, a manajeiros comuns, a reles reis-do-bairro, a quem os próprios servos atribuem epítetos de corrupto, desonesto, pulha confesso e manifesto rufia, sejam amos, patrões ou encarregados, sejam ignotos presidentes da junta, continuando a ser dele(s) servo, numa estranha e mal confessada cadeia de servidão voluntária rapace em rede, ou multinível: Serves-me, sirvo-te, servimo-nos.
E não sendo a questão - ou o turn point - a dimensão de servos ou amos-servos, afinal todos os homenzinhos são igualmente grandes na sua pequenez. Ou parafraseando Alberto Pimenta, tal como os fdp, tampouco os servos se medem aos palmos. A questão é de natureza, ou da natureza humana. E por isso acabam justificados os pessimistas antropológicos históricos, desde a idade antiga até à modernidade, isto é, as sucessivas representações do Leviatã, desde o Velho Testamento à modernidade, passando por Thomas Hobbes.
Que respostas temos hoje, no sec. XXI, para as prementes questões que lançava De La Boétie há cinco séculos sobre servidão - liberdade e a intrínseca dignidade,
"...Por hora gostaria apenas de entender como poder ser que tantos homens, tantos burgos, tantas cidades, tantas nações suportam às vezes um tirano só, que tem apenas o poderio que eles lhe dão, que não tem o poder de prejudicá-los senão enquanto tem vontade de suportá-lo, que não poderia fazer-lhes mal algum senão quando preferem tolerá-lo a contradizê-lo..."?...
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