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domingo, 7 de julho de 2013

Mando eu que sou Juiz (II)

Mando eu que sou Juiz

Unfair Justice System

Na última década vem aumentando a insatisfação de alguns setores da sociedade, incluindo muitos Advogados, relativamente ao que que parece ser um aumento de poder autoritário dos juízes em Portugal, e começa a ser a acusação de que muitos juízes assumem uma postura nepótica, ao mesmo tempo que aumenta a sua latitude volitiva ao ponto de estes passarem a confundir a equidade com a discricionariedade, algo a que nunca poderá recorrer um Juiz subordinado aos princípios do Estado de Direito e do Poder Soberano do Povo, a Democracia.

Desde os que clamam contra a "República de Juízes" que parece às vezes querer sobrepor-se já não só à cidadania mas até aos demais Poderes do Estado, aos que reclamam que não andaram a lutar - e a arriscara liberdade e a vida - contra o regime de Salazar, para virmos a acabar num regime de salazarinhos de comarca ou juízo singular, passando pelos que receiam uma justiça repressiva e pelos que condenam o reforço do poder dos juízes que resulta das alterações de 2013 ao Código do Processo Civil promulgadas pelo XIX Governo - com a Ministra da Justiça Paula T. Cruz - , são muitos os que manifestam um descontentamento sustentado e argumentado, quer politicofilosofica, quer juridicoconstitucionalmente. No século XXI, o "Moleiro da Prússia" legitimador do poder do juiz é - e não pode ser mais de que - uma metáfora arcaica, ou uma "anedota", no sentido literário que atribui ao termo a língua espanhola [1].
 
Curiosamente, foi a República implantada em 5 de Outubro de 1910, a da Laicidade e dos Valores e  da Ética Republicanos, o regime que se auto-propunha como o regime renovador restaurador dos direitos políticos - de cidadania e individuais, que se comprometia a pôr cobro ao que restava de privilégios dinásticos, foi este Regime que veio granjear  aos Juízes no desempenho da sua função a garantia de irresponsabilidade e inimputabilidade:
 
CONSTITUIÇÃO DE 1911 (a Republicana)
TÍTULO III
Da Soberania e dos Poderes do Estado

SECÇÃO 3
PODER JUDICIAL
Artº 60º
"Os juízes serão irresponsáveis nos seus julgamentos, salvo as excepções consignadas na lei.
Curiosamente, insiste-se, foi a mesma República que se propunha pôr cobro ao que ainda restasse da "Sociedade de Mercês" do poder Real Dinástico a criar logo no artigo 60º da sua primeira constituição uma mercê (que se mantém à data): "Os juízes serão irresponsáveis nos seus julgamentos". Invocando alguns deles e o legislador ser essa uma condição indispensável para a Independência dos Juízes, mantém-se no séc. XXI a um Corpus Técnicoprofissional - ainda que superior - uma garantia que este partilha apenas com mais dois grupos sociais, as crianças e os cidadãos portadores de deficiência mental.
Valia a pena conhecer a lista de redatores da Constituição de 1911 e saber quantos desses relatores - participantes diretos ou por interposto aconselhado - seriam Juízes.
 
"Felizmente para o Povo Português", a partir do Golpe de 28 de Maio de 1926, começaria a ser instaurado em Portugal um regime moralizador restaurador dos costumes; este era o bondoso discurso dos que promoveram Salazar e apoiaram a criação do Estado Novo, cuja primeira constituição seria plebiscitada em 1933. E o que estabelecia a moralizadora Constituição de 33 quanto ao poder judicial?...
A Constituição de 1933 é fruto de um elaborado e planeado estudo feito ao longo de mais de um ano por um grupo de professores de direito convidados pessoalmente pelo próprio António de Oliveira Salazar (Autor: Imagem em domínio público) 
("Constituição Política da República Portuguesa")
Artº 119º
"Os juízes são irresponsáveis nos seus julgamentos, ressalvadas as excepções que a lei consignar"
Salazar era um "maganão". Sacrista, mesureiro, melífluo e oblíquo, obviamente que para lograr uma sociedade de "corporações" que apoiasse as suas políticas, teria que consentir privilégios às elites comerciais e financeiras, militares, judicias e religiosas; haveria um único inimigo comum, o povo, com o qual a relação do Estado (administração) era à partida de desconfiança, e uns restos das carbonárias a que mais tarde se juntariam os "agentes subversivos". Ora a julgar um subversivo ou um elemento do povo que não acadimasse as regras do Estado, que não fosse um ordeiro de bom pai e bom chefe de família, que erros poderia cometer um juiz?... Pelo contrário.
 
Depois de 48 anos de regime repressivo, vinha aí a Constituição de 1976, a da III República, a Constituição  do Estado de Direito Democrático, da Soberania Popular, a das DLG e dos direitos de primeira, segunda e terceira geração.

Depois de um 25 de Abril libertador, os poderes seriam equilibrados e subordinados à vontade e soberania do Povo e não subsistiriam Mercês, Castas, Ordens e outros corpus detentores de privilégios. Ou será que sim?
 
Constituição da República Portuguesa aprovada em 2 de Abril de 1976
CAPÍTULO III

Magistratura dos tribunais judiciais

ARTIGO 221.º
 (Garantias)
 1. "Os juízes são inamovíveis [disposição relativamente constante no Constitucionalismo Português];

2. Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei."
 
(em contrapartida, quanto à responsabilidade civil e criminal do Governo estabelece o seguinte: "ARTIGO 199.º - Responsabilidade civil e criminal dos membros do Governo: 1. Os membros do Governo são civil e criminalmente responsáveis pelos actos que praticarem ou legalizarem.").

 
Afinal, a Constituição do Estado de Direito, Da Democracia, da Soberania Popular, continua a manter aos juízes a "mercê" ou garantia que lhes fora granjeada pela I República. Uma mercê ou garantia não lhes foi atribuída por nenhuma das três constituições da Monarquia Constitucional (ver mais abaixo), mas foi uma constante nas três constituições Republicanos. Acreditamos que está sobejamente demonstrado o que é entre nós a Ética - e a ética do poder - Republicana, assim como as razões pelas quais, em devido tempo este blogger se manifestou "Monárquico pelas mais republicanas razões".

No século XXI e num regime político cujo eixo ético teria de ser o da responsabilidade e imputabilidade, dá-se a um juiz com 27 anos de idade cronológica, três ou quatro de idade/maturidade civil e social[2] e um ano de idade/experiência profissional,  ou a outro com 35 anos de idade cronológica, dez - ou menos - de idade/maturidade civil e social  e 8 de idade profissional, o mesmo e igual estatuto de Senador ou Arconte. Porque tanto um como outro são infalíveis e moralmente estão acima de qualquer suspeita, foram ungidos por um qualquer incenso exclusivo da magistratura e ministrado pelos sacerdotes do Ministério da Justiça....no CEJ[3].

A "Constituição de 22" (1822), que fez a transição do Regime Absolutista para o Constitucionalismo Liberal e  pôs fim à Sociedade das Ordens (ao Velho Regime), Estabelecia o seguinte para os Juízes no desempenho da função:

CAPÍTULO II

 DA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. 
  Artigo 196º

"Todos os Magistrados e oficiais de justiça serão responsáveis pelos abusos de poder, e pelos erros que cometerem no exercício dos seus empregos. 

 
Qualquer cidadão, ainda que não seja nisso particularmente interessado, poderá acusá-los de suborno, peíta, ou conluio; se for interessado, poderá acusá-los por qualquer prevaricação a que na lei esteja imposta alguma pena, contanto que esta prevaricação não consista em infringir lei relativa à ordem do processo.",  disposição que se manteve nas constituições seguintes e até ao golpe republicano de outubro de 1910.
 

Em contrapartida, as Constituições Republicanas desde 1911 até hoje - mais de um século - a bem da tão propalada Ética Republicana, estabelecem que "... Os juízes serão irresponsáveis nos seus julgamentos, os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões".

ver mais em (Por)que sou Juiz (III)
 
[3] - inverosímeis são os contos de fadas e as histórias de dragões que se contam á Infância. A estória do Moleiro da Prússia não é inverosímil, é ridícula, sobretudo quando é invocada por adultos e em ambiente institucional;

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