Pobres dos pobres que são pobrezinhos…
Jorge Messias* :: 10.12.08
As altas esferas da sociedade arrastam-se pela lama. Em Portugal, subiu o pano e vêm à baila as fraudes e os escândalos que envolvem políticos e banqueiros. Também por cá como, aliás, no restante mundo capitalista, multiplicam-se como cogumelos as manobras tendentes a transferir para os mais pobres os custos da crise dos ricos, a concentrar as fortunas e a desferir golpes mortais nos sistemas sociais garantidos pela Constituição. São muitos os pretextos invocados mas o objectivo central dessas manobras é sempre a destruição dos direitos e das liberdades dos cidadãos e o encaminhamento para a área privada e lucrativa das instituições do Estado que deveriam garantir o serviço público.
Tudo isto é acompanhado pelo aumento dos impostos, pelo agravamento da taxa de desemprego, pela desagregação da rede de segurança social e hospitalar, pela anarquia e pelas exclusões conscientemente provocadas na área educativa, pelos cortes de verbas orçamentais cirurgicamente aplicados nas autarquias e pelos corrupios dos dirigentes que saltam das direcções dos partidos ou dos lugares nos governos para as administrações públicas e privadas, sabotam as instituições, engordam as suas fortunas e, depois voltam ao ponto de partida para logo recomeçarem o ciclo infernal. No caso português, destas manobras resulta o contínuo aprofundamento do fosso entre ricos e pobres e a destruição da economia e do tecido social. Estamos a assistir, em Portugal, a um verdadeiro golpe de estado palaciano desenvolvido a um ritmo alucinante.
Caridade bem ordenada por nós é começada…
Em termos de imagem, é a igreja católica portuguesa aquela que sai mais degradada desta corrupta situação social. A opinião pública pouco se choca com os escândalos financeiros que vão surgindo por toda a parte. Os portugueses têm consciência de que a actual classe política do arco do poder e o capitalismo em geral se caracterizam pela ganância, pela cupidez e pela ambição pessoal desmedida. Estes traços característicos do grande capital e de muitos políticos oportunistas não são novos, vêm dos confins dos tempos e estão espelhados nos sofrimentos impostos pelas tiranias às camadas populares.
A igreja católica e a sua hierarquia deveriam, em princípio, serem excepção a esta regra geral. Desde sempre, perante o povo, a instituição católica tem sistematicamente aparecido como «opção pelos pobres» que obriga a sua hierarquia a um voto de pobreza e lhe impõe o «anúncio» de alternativas e a «denúncia» da degradação e da imoralidade.
O que se vê é justamente o inverso.
A banca não consegue ocultar a sua ligação íntima à prática do crime. Multiplicam-se os casos de fraudes e falências fraudulentas, as afinidades do grande capital com os offshores, com a especulação imobiliária, com o mundo da política, com o crime organizado, com o comércio subterrâneo da droga, das armas, da exploração da mão de obra, da prostituição, com o branqueamento do dinheiro, etc., etc. A tudo isto - que implica miséria para os pobres e fortuna para os ricos e se pode exemplificar com factos e nomes concretos - a hierarquia católica dá a cobertura da sua mudez e os padres silenciam.
Poderá perguntar-se por que razão assim procede a igreja quando se torna evidente que a sua atitude provocará a destruição da sua imagem pública. A resposta é simples e pode fundamentar-se em realidades já largamente descritas por investigadores que se dedicaram e dedicam à revelação das relações ocultas entre as hierarquias religiosas e os interesses do grande capital. Diga-se, à laia de conclusão antecipada, que as práticas canónicas não só são afins das estratégias capitalistas mas estão em íntima identidade com os objectivos e métodos das plutocracias.
Escândalos da democracia capitalista…
Na década de 80, a adesão de Portugal à União Europeia foi o início da recuperação do grande capital monopolista que, a pretexto de uma ideologia (a «Europa sem fronteiras») fez alastrar a mancha das multinacionais, dos bancos gigantescos e dos capitais anónimos que subverteram as instituições da República e limitaram drasticamente a autonomia dos movimentos sociais. Foi a partir de então que se impôs um conceito ideológico mais alargado e dependente (a tese da «globalização») e se passou à fase imperialista do grande capital com a subordinação dos governos nacionais às imposições dos interesses financeiros da plutocracia mundial e com a entrega sistemática das áreas sociais à chamada «Sociedade Civil» dominada pelas forças obscurantistas, nomeadamente pelas redes caritativas da igreja. Em Portugal, foram principais responsáveis por essas tremendas mudanças os governos do PS e PSD e políticos como Cavaco Silva, Mário Soares, Jorge Sampaio, Durão Barroso e António Guterres.
Foram esses irredutíveis defensores do grande capital financeiro os grandes protagonistas das desnacionalizações, da absorção das empresas nacionais pelas poderosas multinacionais estrangeiras e da abertura ilimitada do espaço português aos grandes bancos multinacionais que, na sua esmagadora maioria, representavam o cruzamento dos capitais laicos e eclesiásticos. As primeiras consequência deste tratamento de choque produziram-se não apenas na banca e na área financeira ou económica mas, igualmente, a nível da educação, da saúde, da segurança social, das mutualidades, etc., áreas onde a hegemonia foi entregue pelo Estado à Igreja católica. Criou-se toda uma geração dos grandes senhores que hoje ocupam as principais empresas e os ministérios. Na gestão dessa operação destacaram-se vultos políticos e católicos bem conhecidos (padre Melícias, Maria de Belém, Vera Jardim, padre Maia, D. José Policarpo e muitos outros) que passaram a dirigir ou controlar importantes institutos sociais financiados pelo orçamento do Estado.
Nessa fase crucial (entre os anos 80 e os anos 90) a igreja, aliada às grandes fortunas, promoveu a fixação em Portugal de poderosos bancos de origem sobretudo espanhola que acabaram por dominar totalmente o mercado financeiro português. Eram formações de capitais com origem mista laica e eclesiástica que mergulhavam profundas raízes no mundo confessional das grandes Ordens canónicas tradicionais, na Opus Dei ou nas Fundações católicas e no próprio Banco do Vaticano cujos gigantescos capitais integram riquezas acumuladas desde os tempos arcaicos do Comércio e da Conquista.
Em meia dúzia de anos entraram de roldão em Portugal e aqui se instalaram bancos cuja enumeração exaustiva não pode caber aqui mas deve ser fundamentada com alguns casos concretos.
O grupo Bilbao/Viscaya fixou-se no nosso país em 1987 após se ter formado, na década anterior, a partir da fusão de dois bancos (o Bilbao e o Viscaya). É considerado como sendo o mais poderoso grupo bancário espanhol. Possui dezenas de pequenas e médias empresas industriais e é proprietário de vários outros bancos, tais como o Industrial de Bilbao, o Banco de Financiamento Industrial, o Banco da Corunha, o Asturiano do Comércio e Indústria, o Castelhano o Banco de Málaga, etc.
As operações de fusão do Bilbao e do Viscaya foram dirigidas pelo Opus Dei que desde 1960 penetrou nesta área da banca espanhola. Após o afastamento do cardeal Marcinkus e dos conhecidos escândalos do Banco Ambrosiano, o BBV foi um dos cinco grandes grupos financeiros mundiais chamado a gerir as finanças do Vaticano.
O Grupo Banesto entrou em Portugal em 1987. Comprou uma seguradora (a Union y El Fénix ) e o Totta & Açores, após ter formado uma aliança com os Valores Ibéricos de José Roquete (OD). O «Banesto» tem profundas ligações ao Opus Dei e às famílias Garrigues e Taberner, pilares da Obra em Espanha. Outras ligações notórias relacionam o grupo com os Rockefeler, os Kenedy, a ITT, o Bank of America, o Chase Manhattan Bank, a General Electric, etc. Está no ramo bancário, na indústria e no comércio, na agricultura e na área social. Emprega mais de 50 mil trabalhadores. Em Portugal, constituiu a Sociedade Gestora de Participações Sociais, uma importante arma de intervenção no universo dos pequenos e médios investidores o que lhe dá acesso e influência entre as camadas da classe média alta.
Também em 1987, veio para Portugal o Grupo Hispano-Americano. A sua «casa mãe» foi o Banco Hispano-Americano fundado a partir dos capitais repatriados de Cuba e de outros países da América Latina pelas missões e fundações católicas da Companhia de Jesus e da Ordem Dominicana. Tal como nos casos anteriores, o grupo é dominado por uma família fortemente ligada ao Opus Dei, neste caso a família Urquijo. O grupo possui vários bancos controlados pelos Jesuítas que, no entanto, cederam um deles (o Banco Continental) à Ordem dos Dominicanos, abrindo assim um canal de ligação ao conjunto das outras formações do capital eclesiástico. É essencialmente uma instituição de crédito cujo principal objectivo é a partilha do mercado financeiro europeu. Com essa finalidade, criou uma holding (a Europartners) e ligou-se ao «Comerzbank» alemão, ao «Crédit Lyonnais» francês e ao «Banco di Roma» italiano, todos eles bancos relacionados com o Opus Dei e com o Vaticano. Em Portugal, é dono de um vasto leque de empresas do qual sobressai a SFAC Sociedade Financeira para a aquisição de Crédito. Tem relações preferenciais com o grupo Benedetti/Amorim.
O Grupo Benedetti/Amorim constituiu-se no nosso país através de uma associação milionária entre a Cofipsa do grupo Amorim, o grupo Albertos espanhol e o Banco Bilbao/Vizcaya e, naturalmente, com o Grupo Benedetti italiano. Desde a sua fundação tem revelado uma forte conexão de interesses com o BCP, o Grupo Suez, a Sociéte Générale de Belgique e o Bilbao Vizcaya, bancos com fortes ligações eclesiásticas. Tem grande penetração nos estados ex-socialistas do Leste europeu e domina o capital de fortíssimas multinacionais como, por exemplo, a Fiat, a Olivetti, a Mondadori, a Finanza e muitas mais. O grupo Benedetti possui igualmente dois jornais italianos de grande tiragem («L’Espresso» e «La Republica»). No campo financeiro português e tal como nos casos já citados de outros grupos, a Benedetti Amorim tem grande interesse pelo ramo do crédito, com destaque para o seu «Bank of Lisbon» e pela sua empresa financeira «Amorim Investimentos e Participações».
A listagem dos grupos financeiros que invadiram Portugal nesse fatídico ano de 1987, era então Cavaco Silva primeiro-ministro, é praticamente interminável. Poderiam ser referidos os grupos Santander (Jesuítas e Dominicanos), o Deutsch Bank (Comissão de Gestão Financeira do Vaticano), o Grupo Sanpaolo (Confrarias e Misericórdias), o «Lobby da Caridade» (Cáritas, Misericórdias, Mutualidades, ONGs e IPSS, aplicações financeiras da Igreja), os espanhóis do grupo Central e do grupo March (caixas de aforro, família Urquijo, Companhia de Jesus), o todo-poderoso Grupo Opus Dei (rede de bancos eclesiásticos e laicos que fazem a aplicação no mercado dos fundos da Igreja e promovem a sua expansão) e um nunca mais acabar de instituições anónimas que alastram por toda a parte e dividem para reinar.
Todo este peso esmagador caiu sobre nós, o povo português.
Caridosa, a igreja apressa-se a abrir sucursais do banco alimentar que representa a versão revista e maquilhada das antigas sopas dos pobres: pobres dos pobres que são pobrezinhos! Mas, nos galarins do Poder os banqueiros de charuto e cartola continuam a cruzar-se com os bispos ou equiparados de longas vestes e com os políticos corruptos que alegremente saltam de poleiro em poleiro. E o governo de Sócrates, solidário, abre torneiras sobre torneiras do ouro que irá tapar os buracos deixados pela cupidez dos detentores das fortunas.
É preciso lutar. É preciso votar. É preciso mudar.
Bibliografia consultada:
A prodigiosa aventura do Opus Dei - Ruedo Ibérico
Relatórios, contas, gráficos e diagramas de empresas das holdings
Malhas que o capital tece - Edições Avante
Opus Dei - Editorial Notícias
Recortes de revistas e jornais
Relatórios, contas, gráficos e diagramas de empresas das holdings
Malhas que o capital tece - Edições Avante
Opus Dei - Editorial Notícias
Recortes de revistas e jornais
* Jorge Messias é amigo e colaborador de odiario.info"
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